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TODA SOMBRA É UM POUCO DE LUZ

12.08.2023 - 12.09.2023

artista: José Roberto Bassul
curadoria: Eder Chiodetto

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TODA SOMBRA É UM POUCO DE LUZ

Eder Chiodetto

Os olhos, esses mesmos olhos que se dedicaram com afinco a traçar tangentes, alinhar paralelas, circunscrever parábolas e, em pleno regozijo, estabilizar eixos e acreditar piamente na promessa de horizontes, agora desolham a insensatez dos labirintos criados pelos homens e se embrenham por atalhos de atmosferas misteriosas e rarefeitas.
Pontos de fuga circunscritos pelas esquadrias vagueiam por entre desmedidos monumentos de concreto. Num átimo, uma profusão de névoas cromáticas é flagrada entre vestígios de uma antiga civilização, prestes a se liquefazer diante de uma câmera fotográfica que, no lugar de registrar a paisagem diante de si, a intercepta e a interroga.
Uma betoneira regurgita a lava que precede o desatino da urbe, enquanto o fotógrafo fabula novas postulações citadinas entre bancos que anseiam a chegada de alguém, o cavalinho sem uma infância que o anime e um amontoado de pregos rotos destituídos de função.
À revelia desse estado de contornos apocalípticos, porém, se insurgem, enfim, os mesmos olhos. Ou quase, posto que agora, a força das circunstâncias dotou os olhos desse fotógrafo andarilho de um novo e incisivo alcance. Consciente das armadilhas que nos espreitam, ele já sabe das fragilidades com que são urdidas as aparências. Logo, seu trabalho implica revolver o avesso das imagens, interceptá-las onde principiam e se desdobram os artífices da imaginação.
Afinal, se Toda sombra é um pouco de luz, cabe a esse fotógrafo empreender um projeto quase arqueológico com o intuito de extirpar réstias, lampejos e feixes luminosos da sinistra escuridão, para matizar com explosões de fótons os sensores fotográficos. Quanto mais densa a sombra noturna, mais evidente se torna a crença de que O sol só vem depois. Como reflete o próprio José Roberto Bassul, “é como se as imagens nos lembrassem que ainda há viço e semente naquilo que parece fenecer”.
As fotografias praticadas aqui, em modo lírico e com alta voltagem poética, são repletas de inquietude. Diante de um cenário em ruínas, em que a distopia contemporânea parece estar no limiar de engolfar a tudo com seu manto de sombras, a poética desse fotógrafo singular nos oferece um contracampo de onde emergem a paisagem, a cidade e a vida, como pulsão estelar, clara e vidente. Os olhos, esses mesmos olhos que atestavam evidências, agora delineiam clarividências.

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